sexta-feira, 22 de abril de 2016

As meninas


(Ficção)
Lygia Fagundes Telles, As meninas, 1973.

Fiquei pairando no ar. Enfiaram-me então um fio no reto e fixaram outros fios na boca, nas orelhas e mãos. Nos dias seguintes o processo se repetiu com maior duração e violência. Os tapas que me davam eram tão fortes que julguei que tivessem me rompido os tímpanos: mal ouvia. Meus punhos estavam ralados devido às algemas, minhas mãos e partes genitais completamente enegrecidas devido às queimaduras elétricas.

(Não ficção)




*Desculpem o post forte de hoje, com imagens e histórias que doem em todos nós, eu sei. Mas é que teve gente cretina dizendo para mim que não houve tortura na ditadura militar. Se alguém descobrir o que comem, onde vivem, o que fazem pessoas desse tipo, me avisem, que é para termos certeza de que não repetiremos a dose. Deu errado, muito errado, minha gente.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

NOTA DE REPÚDIO

À Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados,

À Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República


NOTA DE REPÚDIO


No dia 17 de abril de 2016, foi votado, na Câmara dos Deputados, em Brasília, o pedido de abertura do processo de Impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. Na ocasião, o Deputado Federal pelo PSC do Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro, declarou voto favorável à abertura do processo de Impeachment. Reproduzimos aqui, na íntegra, o discurso do Deputado:

“Nesse dia de glória para o povo brasileiro, tem um nome que entrará para a história dessa data, pela forma como conduziu os trabalhos nesta Casa. Parabéns, Presidente Eduardo Cunha. Perderam em 64, perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças na sala de aula, que o PT nunca teve. Contra o comunismo, pela nossa liberdade. Contra o Foro de São Paulo. Pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff. Pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas. Pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é 'sim'”.

Brilhante Ustra foi um coronel que, entre setembro de 1970 e janeiro de 1974, chefiou em São Paulo o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna/DOI-Codi, órgão de repressão ligado ao Exército. Nesse período, o Brasil vivia o recrudescimento da ditadura civil-militar iniciada com o golpe que, em 1964, depôs o presidente João Goulart.

Dados do projeto Brasil Nunca Mais e do relatório Direito à Memória e à Verdade indicam que, durante esse período em que dirigia o DOI-Codi sob a égide da Operação Bandeirantes/Oban, Brilhante Ustra foi responsável por 502 desaparecimentos e 47 sequestros e assassinatos. Foi o primeiro militar a ser reconhecido pela Justiça como torturador e, em 2012, foi também considerado culpado por violações de direitos humanos e obrigado a pagar indenização pela tortura de um jornalista sequestrado há mais de 30 anos.

Apologia à ditadura militar é crime, e há no País três dispositivos que abrangem essa questão: o Artigo 5º da Constituição (cujo inciso XLIV estabelece que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”); a Lei de Segurança Nacional (conforme Artigo 22, I - Fazer, em público, propaganda: I - de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; e Artigo 23 - Incitar: I - a subversão da ordem política ou social; II - a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis); e o Artigo 286 (Incitar, publicamente, a prática de crime) e Artigo 287 (Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime) do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940).

É inadmissível, num país livre e democrático, que um torturador seja citado e homenageado dentro da Casa que representa o povo brasileiro. Ademais, é absolutamente inaceitável que qualquer deputado faça do trauma de uma cidadã brasileira um joguete seu, para embasar o voto.

Nós, cidadãs brasileiras, repudiamos veementemente a menção e homenagem ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, cujo nome consta no relatório da Comissão Nacional da Verdade, entregue em dezembro de 2014, como uma das 377 pessoas com responsabilidade direta ou indireta pela tortura e morte de dezenas de cidadãs e cidadãos brasileiros que foram submetidos a práticas horrendas, tais como estupros, torturas na frente de crianças e torturas sexuais científicas, como a inserção de baratas e ratos vivos na vagina e no ânus das vítimas. A lembrar que a Presidenta Dilma Rousseff sofreu, pelas forças de repressão, graves problemas em sua arcada dentária após ter sido colocada no pau de arara, apanhado de palmatória, e levado choques e socos por agentes da ditadura.

Ainda no que diz respeito à misoginia evidente nessa mesma sessão na Câmara dos Deputados, não podemos deixar de mencionar as vaias à Deputada Clarissa Garotinho (do PR do Rio de Janeiro), por estar em licença-maternidade. As vaias vieram dos mesmos deputados que bradaram ser a favor do Impeachment em nome da família. A licença-maternidade é, antes de mais nada, um direito trabalhista previsto no Artigo 7º, inciso XVIII, da Constituição Brasileira.

Nós, em nome de todas as brasileiras e brasileiros, exigimos punição legal do Deputado Jair Bolsonaro, a fim de que o mesmo seja processado e condenado por quebra do decoro parlamentar, por ter descumprido as obrigações previstas no Código de Ética e Decoro da Câmara dos Deputados e ter abusado das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional. Não vamos nos esquecer de Isis Dias de Oliveira, Maria Auxiliadora Barcelos, Nilda e Esmeraldina Carvalho Cunha, Dinalva Conceição, Helenira Resende, Crimeia Almeida e de centenas de outras brasileiras, estas, sim, heroínas. Estas, sim, deveriam ser homenageadas na Câmara, por terem lutado bravamente em nome de um Brasil justo e mais humano.

A luta delas não foi em vão e segue, porque tornou-se nossa.

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