segunda-feira, 28 de março de 2016

O sorriso dos canalhas



O SORRISO DOS CANALHAS

Eles permanecem aí, sorrindo – em reuniões regadas a bom uísque, sorrindo – diante das câmeras de televisão, sorrindo – de terno e gravata, sorrindo. Parecem felizes, diriam uns, estão de bem com a vida, pensariam outros, têm belas lembranças, concluiriam então. Sem dúvida! Cada vez que um deles se olha no espelho, preparando-se para aparecer em público, uma súbita alegria o invade. É um homem impune, e sempre que lembra disso ele sorri. Sorri diante de nosso esquecimento, sorri diante da perplexidade daqueles poucos que ainda se recordam, que ainda sofrem. Sorri por todos os sorrisos que roubou.
Sim, eles permanecem aí e celebram nossa indiferença, nossa curta memória. Mas ainda é cedo demais para esquecer, e o sorriso deles é a prova disso. Enquanto vamos levando a nossa vidinha de todos os dias, preocupados com o preço da gasolina e a violência das grandes cidades, eles andam pelas ruas, vão ao cinema, frequentam restaurantes, assombram suas vítimas. Que imensa ilusão pensarmos que estamos em segurança enquanto eles sorriem. Se ainda não podemos fazer alguma coisa, temos ao menos a obrigação de não esquecer.

(Trecho do livro O espaço da dor: o regime de 64 no romance brasileiro, de Regina Dalcastagnè, publicado em 1996).

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